sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A ENERGIA DA MUDANÇA


Dizem que entramos numa era regida por Chiron, arquétipo do curador, do terapeuta, do médico holístico. Metade homem, metade animal, Chiron tinha uma ferida incurável, fonte de muitas dores e sofrimentos. Segundo a mitologia, Chiron era imortal, portanto, estava condenado a sofrer essa ferida para sempre. Então, ele fez um acordo com Zeus e trocou sua imortalidade por sua cura. O simbolismo do mito ensina que para curar é preciso morrer, morrer para um estado de ser para renascer em outro.
E assim ele se torna um curador na arte de curar o corpo (sua ferida) e de curar o espírito (morte/renascimento). Nasce a antiga medicina holística, da síntese entre os cuidados do corpo e do espírito. Por isso os terapeutas eram sacerdotes e os sacerdotes, terapeutas.
Esse pequeno relato mostra que no início, o saber era transdisciplinar, holístico, integrado. Por que não resgatar esse princípio tão necessário à nossa época? Mas, para isso, seria preciso que houvesse uma abertura maior do universo acadêmico e uma compreensão mais holística da existência humana.
Nunca entendi muito bem a necessidade de divisão entre as disciplinas, as especializações, a setorização do conhecimento. Os cursos e as formações acadêmicas disponíveis hoje são estritamente disciplinares: ou você é um especialista disto, ou daquilo. Como ampliar o alcance do nosso olhar, da escuta, do saber? Quando se tem um médico que atua fisiologicamente, ele não foi preparado para entender o psiquismo ou as formações do inconsciente; quando se tem um psicólogo que escuta as dores da alma, ele não sabe quase nada sabe do corpo físico. Quando se fala em espiritualidade, temos de procurar um sacerdote porque estamos no campo da fé, da religião.
Eu me pergunto: onde estão essas divisões no ser? Quem determinou quando termina o físico e começa o psíquico? Porque o espírito é sempre deixado de fora como se não fizesse parte de nós? Somos seres transdisciplinares (para além das disciplinas), holísticos e integrados; fazemos parte do Todo.
Em novembro de 1994 aconteceu em Portugal o Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade. Na ocasião foi redigida uma Carta, constituindo uma espécie de contrato moral para todos aqueles que comungam os princípios transdisciplinares. Nela se propunha uma nova visão de ser humano como integrante de uma ordem mais ampla, que abrange a dimensão cósmica e planetária. O planeta Terra é reconhecido como a pátria de todos, além das nacionalidades. Em relação à ciência, esta Carta propõe a abertura do conhecimento também ao imaginário, à sensibilidade, à intuição e à subjetividade.
A ética preconizada pela Carta afirma três princípios básicos, que são: o rigor, a abertura e a tolerância. Isto significa que, mesmo abrindo-se a ciência para a subjetividade, o rigor é necessário. A abertura significa a aceitação do desconhecido, do inóspito, do imprevisível, daquilo que foge ou está além de nossas conceituações teóricas; e a tolerância é o respeito e o reconhecimento da diferença, do outro, daquilo que ultrapassa nosso entendimento e limitações pessoais.
Surgiu, portanto, esta visão transdisciplinar, de uma urgência de comunicação entre os saberes fragmentados e das especializações, que reduziam o ser humano a ser mero receptáculo de conhecimentos e tecnologias cada vez mais avançadas - mas ele mesmo, o sujeito, silencioso e ausente. Surgiu para mostrar que não podemos continuar a fragmentar a vida em partes separadas entre si.
Uma das mudanças práticas da transdisciplinaridade aplicada à política é que a economia deve estar a serviço do ser humano, e não o contrário. Ora, viva!
É isso que esse novo conceito holístico e integrativo está tentando nos mostrar. Para ver a luz, precisamos sair da caverna de nossas especializações, de nosso olhar pequeno e limitado, e redimensionar, mudar o foco para outras maneiras de ver as coisas. E quando a nossa visão de mundo muda, o mundo também muda.
*Por Mani lvarez - CLASI - www.clasi.org.br