quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A ENERGIA DE MIM

*Texto adaptado
Qual dos meus bocados é o mais saboroso? Pedaços de mim se fundem por aí em bocas alheias, uns maiores, outros menores. Alguns, de amigos, mais doces; dos inimigos, o fel. Alguns de paladar mais refinado à crítica, outros de tristeza e mudez. O que sou? Talvez a somatória de muitas opiniões a meu respeito: favoráveis e nem tanto; acertos e fatalidades. Mas como qual desses pedaços você vai me descrever?

Sou uma mulher vista, no vai-e-vem diário, por várias pessoas que cruzam meu caminho. Eu, que passo por tantas vidas diariamente, tantos desconhecidos, tantas visões fragmentadas do que acho que conheço, mas, as vejo apenas em fragmentos, em mini bocados, migalhas de suas essências. E quantas vezes não digo: "Sim, conheço!" Ou ainda: "Sei quem é!"
E o mesmo reverso dá o direito a tantas pessoas para falar, do alto de sua infinita sabedoria sobre a complexidade humana, de mim, para recontarem pedaços de minha história, fragmentos poéticos e patéticos.

Com outros já tive maior convívio. Uma semana, um mês, talvez um ano ou mais. Desses somam-se histórias que se empilham naquilo que também sou. Há vários convívios, momentos, seres que se tocam. Mas qual deles eu sou? Sobra a certeza de que sou desconhecida de mim mesma, na maior parte do tempo, pelo fato de ser ausente de minha própria consciência, que abarca apenas um ínfimo de mim. Às vezes queria acordar alegre e, quando dou por mim, estou triste. Tantos quereres, tantos pedaços. Tantos questionamentos.

Quem eu sou de verdade?

Já fiz tantos feitos: estudei muito, trabalhei muito, ganhei dinheiro, namorei muito, ajudei a educar tantas pessoas, viajei muito, fiz tantos cursos...

No avesso fiz muitas asneiras memoráveis: suplicando amores impossíveis, idolatrei idiotas, querendo acreditar que o idiota não era tão idiota assim. Falei burrices publicamente, palavrões onde não devia. E dei foras também. Mudei de emprego, perdi dinheiro, fiz maus negócios, dei vexame, muito vexame. E qual dessas eu sou? Qual dessas faz parte, genuinamente, de minha essência?

Minha história não é uma fotografia que congela um instante. É um filme em terceira dimensão, com trilha sonora, animação, emoção. Sou somatória de bocados, tudo e nada. Não sou um instante. Não sou o gelo parado, sou a água evaporando momentos. Sou vários bocados nas bocas de muita gente, mas ao mesmo tempo nada disso.

Na verdade depois que tudo isso passa, que a ilusão se vai, que a vaidade esfria, fica ali presente só quem realmente sou. E o que eu sou corre para longe do que tentam aprisionar.

3 comentários:

  1. Ana, lindo texto! Senti também a minha alma nele. Obrigada. Beijos.
    Margarida

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  2. Que bom, Margarida! Conte comigo em seu caminhar...

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  3. Ana você é maravilhosa! Adorei o texto.
    A simplicidade das palavras e complexidade dos sentidos me levaram ao encontro de mim mesma...
    Ainda vamos nos reencontrar...nesta vida.

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